*Aventura*

by JG

IMG_8017Um ano (fez em Setembro)…  Soube, porque voltaram as abóboras : )

Passaram cerca de três anos desde que participei num fantástico curso de Agricultura em modo Biológico, teórico e prático, nos jardins-hortas do Museu do Traje em Lisboa. Andámos por lá um ano inteiro, todos os Sábados e pudemos acompanhar de perto, com as mãos na terra, todo o ciclo de uma horta biológica. Foi muito bom!

Há um ano, entre trabalhos meus, eu e o P. demos com um anúncio afixado, da Câmara Municipal de Lisboa, a informar que estava aberto concurso para o Mercado de Sapadores à entrada da Graça. Uma noite sem dormir a tentar perceber, nas informações da Câmara na net, entre preços e espaços comerciais anunciados, que negócio é que poderia ser viável aqui na nossa zona (moramos em frente ao mercado), para no fim me ter apercebido que para além de 2 lojas que dão para a rua, estavam igualmente a concurso 2 bancas/lugares de horto-frutícolas dentro do Mercado… (bancas da praça? Custos inferiores…, horário limitado do Mercado… Será?… Será que posso ser Mulher-da-Praça?…) : ) ó P., importavas-te? Concorri com o currículo que tinha : ) Nas classificações finais, muitos zeros… Ex: de 0 a 5 – “experiência na área”… : ) Ainda assim consegui alguns pontos e ganhei o Lugar Nº5 : ) que entretanto já tinha decidido ia ser de Biológicos.

Os três meses seguintes, nem queiram saber… Andei aterrorizada a olhar da janela de casa a pensar, mas que raio é que eu fui fazer. Finalmente, porque o prazo limite para validar o processo estava a terminar, lá arranjei coragem para à hora do almoço quando já todos se tinham ido embora, ir dizer olá à única velhota que ainda lá estava a arrumar as coisas e que me parecia menos assustadora… – Olá : ) sou a Joana, vou passar a estar no lugar nº5  : ), Enquanto isso toquei-lhe no braço antes que me virasse as costas… Rosnou-me literalmente… Medo! (mas o que é que eu fui fazer… ) – Não ligue! Ela não ouve nada, disse um senhor simpático que lavava o chão. Foi o primeiro a quem me apresentei e tratei de lhe explicar quem era e de o pôr à vontade quanto ao tratar-me por Joana e que o trataria também pelo nome… Muito simpático mesmo : ) mas até hoje ele é o Sr. A. e eu a Dona Joana : ) É assim que prefere. Percebi mais tarde que tanta intimidade ia parecer estranho : )

Um ano de histórias e mais histórias de vida partilhada todas as manhãs com mulheres na praça, algumas há 50 anos. Histórias de vida com clientes que aparecem avulso ou que voltam sempre, de todos os géneros e feitios e países : )

Histórias de rir muito, como a das peixeiras, em que uma arrasta outra até à minha banca, para me fazer ver que “Deus se tinha enganado e tinha dado o rabo que ela queria à outra :D – Vê lá Joaninha se não tenho razão?! Ou aquela outra vez em que a senhora velhota que me “rosnou” no primeiro dia e que agora é minha fã, porque volta não volta lhe dou abraços que a comovem, enquanto lhe grito ao ouvido, porque não me é indiferente ter a certeza que percebe o que lhe digo. É a T. e foi ela a minha única concorrente no concurso público ao Lugar Nº1 a que também concorri e que desejei na altura mais do que o 5, porque é o primeiro em frente à porta e parecia-me mais seguro, caso quisesse fugir dali para fora mais rápido… Ganhou-me a pontos, claro : ) É Mulher-da-Praça desde criança e assim ficou com o lugar nº1 e o nº2 que já era o seu – Tive medo, Joaninha… Não sabia quem é que vinha aqui para o meu lado… Se eu soubesse… A B. teve sorte contigo, até lhe fazes companhia : ) e és amiga das crianças… (tal como ela, que se derrete cada vez que vê uma). Um dia, logo no início, outra vez à hora de almoço, estávamos só as duas a arrumar as últimas coisas e grita ela: – ó rapariga chega aqui e ajuda-me! Tenho um vidro espetado no dedo há três dias e acho que está a ficar infectado. É melhor tirares-me isto. … Bem… Eu em nervos com a impressão que aquilo me fez, a pensar na responsabilidade e como é que tudo ia acabar. – ó T. mas tiro isso com quê? Não tenho agulha… Desinfectar?… (e agora? Ainda por cima desde que fiz 45 anos que o mundo, no raio de um metro de mim, de um segundo para o outro se desfocou todo… Isto não pode correr bem…) – Anda, vá lá, usa o alfinete que me prende a saia… As duas ao Sol, para onde a arrastei na esperança de ver melhor, com uma mão segurava-lhe a saia, agora sem o alfinete que estava na outra a tentar não asneirar e a tirar vidros de um dedo infectado…

As crianças podem entrar e aprender, tal como eu há um ano, a pesar na balança, fazer contas de somar e a escolher com entusiasmo o que querem comer : ) Escolhem quase sozinhos o que levar e o que normalmente não gostam de ver no prato, passa a ser bom porque escolhido por eles : ) – É giro o escritório da Joana, confessou um dia um rapazinho mágico à mãe : )

Um ano a aprender o nome das coisas e o tempo a que pertencem. Os cheiros dos legumes e frutos, o quanto duram, os sabores e o que nos oferecem de Vida… Saio de casa todas as manhãs de avental e atravesso a rua : )

O P., apesar de estar toda a semana noutra aventura que é a sua, aos Sábados, todos, lá tem estado comigo de avental, inscrito oficialmente como “moço” : )

Por sorte já me sinto em casa : ) Na primeira semana a senhora ao meu lado a B. (65 anos) esteve muito quieta e reservada, na segunda começou a dizer palavrões, muitos! :D Percebi que estava e ia tudo ficar bem. É uma mulher do Norte e tem sido uma grande professora/amiga com tudo o que sabe e que me vai ensinando. Foi ela que me ensinou a fazer caldo verde à mão : ) – Eu não sou malcriada, declarou-me ela um dia com ar espantado. – Sou só asneirenta! :D

Aprender muito : ) informar-me, cruzar experiências, sentir… Viver.

O nosso querido e talentoso amigo Paulo Braga bisbilhotou-nos e ofereceu-nos o vídeo do Lugar Nº5 : )